"Nada é mais repugnante do que a maioria, pois ela compõe-se de uns poucos antecessores enérgicos; velhacos que se acomodam; de fracos, que se assimilam, e da massa que vai atrás de rastros, sem nem de longe saber o que quer."
Johann Goethe

Nostalgia na prateleira

00:15 diante de casa, abre-se o portão e a porta, sobe-se as escadas e chega-se a um quarto, meu quarto, com minha cama, meu guarda roupa, minhas prateleiras. Incrível o efeito que pequenas mudanças, o deslocamento de objetos, dispensáveis ao cotidiano, pode inquietar quem os possui.

No dia em questão a primeira prateleira do guarda roupa, antes repleta de inutilidades, estava vazia, o que me fez pensar sobre o real valor das coisas, sobre o desapego, sobre perspectivas.
A organização das coisas, não em dimensões que dê indícios a suspeita de algum transtorno compulsivo, mas de forma natural, acredito ser utópica, porque é impossível manter tudo numa vida, verdadeiramente organizado.

A prateleira anteriormente continha vidrarias de perfumes, organizadas por tamanhos. Após os 12 anos, preservei todos os frascos vazios de perfumes e algumas embalagens de papelão. Um frasco em questão chamou a atenção pelas circunstâncias pelas quais foi obtido: quem presenteia alguém num segundo encontro com um perfume caro? Não caro pelo valor e sim pelas condições pelas quais foi obtido - não sei. Em que ponto das relações interpessoais conhecemos o essencial de alguém? Num primeiro contato, numa vida, enfim nessa ocasião mais do que pudera parecer, porque o encontro do presente foi o último.

Dentre todas outras coisas, imprescindível notoriar apenas mais duas. Uma inflorescência do gênero Pinus, que na ocasião em que foi recolhida do chão eu tinha também 12 anos, talvez tenha sido esta a idade em que comecei a notar as pequenas coisas e a dar algum valor sentimental a elas, coberta com tinta automotiva alguns anos depois e compondo os decorativos da prateleira. Destaco-a pela época em que tomei posse, o fim da infância, a 660 Km de São Paulo no Estado do Paraná, onde um dia aprendi, talvez ali na Rua Vitor Mendes Portela onde peguei a flor, que hoje sei ser atípica de uma Gimnosperma, que nunca é cedo para se delinear o futuro. Perspectiva. Sim, aos 12, optei pela Biologia, ou talvez nem seja, nunca se sabe. Perspectiva é ter um objetivo e desconsiderar o percurso até alcançá-lo.

O segundo objeto, mais recente, obtido no início de agosto de 2009, foi um presente: um chaveiro de carpa, acredita-se ser símbolo de prosperidade, se for, então ainda continuo no aguardo do resultado. Próspero ou não, para mim a conotação é outra. Sem detalhes deve ser melhor, a idéia final, é que o empenho demasiado em alguma atividade por inúmeros motivos pode gerar consequências inesperadas como não ter mais atividade nenhuma para ser executada.
0 Responses